Índice
INTRODUÇÃO
• Coimbra é a maior cidade do Centro de Portugal, com cerca de 150.000 habitantes, particularmente conhecida pela sua velha Universidade que remonta ao século XIII. Para além do núcleo urbano existem áreas suburbanas rurais. As principais actividades económicas são comércio e serviços administrativos, muitos deles ligados directa ou indirectamente à Universidade e aos seus Hospitais. Múltiplos indicadores macroeconómicos aproximam a região de Coimbra da média nacional.
• A Consulta de Prevenção do Suicídio dos Hospitais da Universidade de Coimbra iniciou a sua actividade em 1992, tendo observado e seguido desde então mais de 800 doentes. A maior parte dos doentes tem alta ao fim de quatro ou cinco consultas após esbater a crise suicidária, ficando posteriormente ligados à consulta em regime de porta aberta.
• Em contraste com o decréscimo das taxas de suicídio em Portugal nos últimos 20 anos (taxa anual aproximada = 6/100.000 habitantes), tem havido um aumento da incidência das “tentativas de suicídio” (taxa anual aproximada = 250/100.000 habitantes), valor elevado no panorama europeu, designadamente para as adolescentes (taxa anual aproximada = 600/100.000 habitantes) 1, 2, 3.
MATERIAL E MÉTODOS
• A todos os doentes que cometeram “tentativas de suicídio” oriundos do Serviço de Urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, foi aplicada a Entrevista de Avaliação de Comportamentos Suicidários (EACOS), desenvolvida pela Consulta de Prevenção do Suicídio dos Hospitais da Universidade de Coimbra, composta por 11 partes e 77 questões 4.
• Esta entrevista regista Dados Sociodemográficos, Desenvolvimento, Interacção Familiar, Personalidade, Antecedentes Pessoais, Antecedentes Familiares, Factores Circunstanciais, Comportamento Suicidário, Psicometria, Resumo-Formulação e Plano Terapêutico.
• A entrevista está construída segundo uma perspectiva que concilia dimensões quantitativas, que facilitam o tratamento estatístico, com descrições narrativas relacionadas com cada caso específico. O tipo de apresentação de respostas, apesar da sua digitalização na maioria das questões, estimula ao registo de diálogos internos e manifestações emocionais.
RESULTADOS (1) – CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS (n = 800)
Sexo
Masculino 31%
Feminino 69%
Estado civil
Solteiro 47%
Casado 42%
Separado/divorciado 9%
Viúvo 2%
Classe social
Alta 1%
Média-alta 14%
Média-baixa 53%
Baixa 32%
Residência
Coimbra 70%
Outra 30%
Ambiente social
Urbano 43%
Rural 57%
Profissão
Comércio/serviços 21%
Indústria 17%
Agricultura 6%
Domésticas 12%
Estudantes 25%
Desempregados 8%
Outros 11%
Escolaridade
Menor que ensino obrigatório 57%
Ensino obrigatório 12%
Ensino médio 20%
Ensino superior 11%
Rendimento familiar (per capita)
<Salário mínimo 41% 2x 34% 3x 13% >4x 12%
Habitação própria 61%
Não religiosidade 14%
RESULTADOS (2) – DESENVOLVIMENTO E FAMÍLIA (n = 800)
Gestação/parto anormal 23%
Desenvolvimento anormal 17%
Educação
Pai e mãe 78%
Só pai 1%
Só mãe 12%
Outros 9%
Maus tratos 30%
Abuso sexual/violação 14%
Não confidente 30%
Isolamento 10%
Mau relacionamento familiar 67%
Pai autoritário/punitivo 37%
Mãe superprotectora 45%
RESULTADOS (3) – FACTORES CIRCUNSTANCIAIS (n = 800)
Problemas afectivos
Homens 71%
Mulheres 89%
Problemas profissionais
Homens 33%
Mulheres 25%
Luto 16%
Comportamentos suicidários
Família 36%
Amigos 27%
RESULTADOS (4) – COMPORTAMENTO SUICIDÁRIO (n = 800)
Hora
0 – 4 h 7%
4 – 8 h 7%
8 – 12 h 16%
12 – 16 h 17%
16 – 20 h 21%
20 – 24 h 32%
Motivo
Conflito afectivo 75%
Conflito profissional 6%
Doença psiquiátrica 13%
Outro 6%
Discussão 73%
(com parceiro 38%)
Casa 86%
Ajuda
Antes 25%
Depois 42%
Simbologia
Fuga 57%
Agressão 39%
Oblativo 4%
CONCLUSÕES
• Nesta população de 800 indivíduos observados na Consulta de Prevenção do Suicídio dos Hospitais da Universidade de Coimbra (Portugal), através da Entrevista de Avaliação de Comportamentos Suicidários (EACOS), e que cometeram “tentativa de suicídio” sobressai a adolescente do sexo feminino e o adulto jovem do sexo masculino.
• Observa-se uma prevalência maior nas classes baixas, com menor escolaridade e com menor rendimento familiar.
• A não-religiosidade e o número de separados/divorciados assumem proporções superiores às da população em geral 1.
• É relevante a existência de anormalidades quer na gestação/parto quer no desenvolvimento psicomotor.
• É relevante a ausência de um (geralmente o pai) ou ambos os progenitores na educação.
• Maus-tratos e história de abuso sexual ou violação são frequentes nos acontecimentos de vida.
• A ausência de confidente, o isolamento, o mau relacionamento familiar e a descrição do pai como autoritário/punitivo e da mãe como super-protectora são frequentes.
• Relevância para os problemas afectivos em ambos os sexos, em particular no sexo feminino, e, em menor grau, para os problemas profissionais, mais nos homens.
• Relevância ainda para antecedentes de alcoolismo.
• De assinalar a frequência de comportamentos suicidários na família.
• As “tentativas de suicídio” são um fenómeno predominante da tarde e noite, em acto impulsivo, em casa, após discussão no contexto de um conflito afectivo pré-existente, mais frequentemente com parceiro.
• O método preferencialmente utilizado no sexo feminino é a ingestão de fármacos, em contraste com o que ocorre no sexo masculino, em que os tóxicos assumem maior relevância, comparativamente.
• A exigência de cuidados intensivos, o envolvimento do álcool no comportamento suicidário, a presença de carta de despedida e a intenção suicida (segundo o médico) são mais frequentes no sexo masculino.
• Os comportamentos suicidários múltiplos são mais frequentes no sexo feminino.
• Do ponto de vista da simbologia suicidária, existe um predomínio da fuga e, secundariamente, da agressão 5.
REFERÊNCIAS
1 – SARAIVA, C.B.(1997) – Para-suicídio – Contributo para uma compreensão clínica dos comportamentos suicidários recorrentes. Tese de Doutoramento. Faculdade de Medicina de Coimbra. Portugal.
2 – SARAIVA, C. B., VEIGA, F.A., CRAVEIRO, A. et al. (1996) – Epidemiologia do para-suicídio no concelho de Coimbra. Psiquiatria Clínica, 17, (4), 291-296.
3 – SCHMIDTKE, A., BILLE-BRAHE, U., LEO, D. et al. (1994) – Rates and trends of attempted suicide in Europe (1989-1992), Sociodemographic characteristics of suicide attempters in Europe, 209-241. In “Attempted Suicide in Europe – Findings from the Multicentre Study on Parasuicide”. WHO Regional Office for Europe. A. Kerkhof et al. Eds. Psychological Studies. DSWO Press. Leiden University. The Netherlands.
4 – SARAIVA, C.B.(1998)- Entrevista de avaliação de comportamentos suicidários (EACOS). Psiquiatria Clínica, 19, (4), 251-274.
5 – BAECHLER, J. (1975) – Les suicides. Alcan.